Escrevi um artigo acadêmico
com análise da contribuição do Movimento Sindical na consolidação da democracia
brasileira a partir da Constituinte de 1988. Na conclusão do trabalho cheguei à
mesma observação de Boff. O Partido dos Trabalhadores cometeu um grave erro
tático ao priorizar a política de coalizão presidencialista com partidos
representantes das elites dominantes fisiológicas. Hoje está pagando por esse
grave equívoco.
Trajano Jardim
Boff: PT cometeu equívoco
fatal; aceitou a opção de Lula pelo problemático presidencialismo de coalizão e
deixou de se articular com as bases
publicado em 07 de fevereiro de 2016 às 21:16
Durante
quatro a cinco décadas houve vigorosa movimentação das bases populares da
sociedade discutindo que “Brasil queremos”, diferente daquele que herdamos. Ele
deveria nascer de baixo para cima e de dentro para fora, democrático,
participativo e libertário. Mas consideremos um pouco os antecedentes
histórico-sociais para entendermos por quê esse projeto não conseguiu
prosperar.
É do
conhecimento dos historiadores, mas muito pouco da população, como foi cruenta
a nossa história tanto na Colônia, na Independência como no reinado de Dom
Pedro I, sob a Regência e nos inícios do reinado de Dom Pedro II. As revoltas
populares, de mamelucos, negros, colonos e de outros foram exterminadas a ferro
e fogo, a maioria fuzilada ou enforcada. Sempre vigorou espantoso divórcio
entre o Poder e a Sociedade. Os dois principais partidos, o Conservador e o
Liberal, se digladiavam por pífias reformas eleitorais e jurídicas, porém
jamais abordaram as questões sociais e econômicas.
O que
predominou foi a entre os partidos e as oligarquias mas sempre sem o povo. Para
o povo não havia conciliação mas submissão. Esta estrutura histórico-social
excludente predominou até aos nossos dias.
No
entanto, pela primeira vez, uma coligação de forças progressistas e populares,
hegemonizadas pelo PT, vindo de baixo, chegou ao poder central. Ninguém pode
negar o fato de que se conseguiu a inclusão de milhões que sempre foram postos
à margem. Far-se-iam em fim as reformas de base?
Um
governo ou governa sustentado por uma sólida base parlamentar ou assentado no
poder social dos movimentos populares organizados.
Aqui se
impunha uma decisão. Na Bolívia, Evo Morales Ayma buscou apoio na vasta rede de
movimentos sociais, de onde ele veio como forte líder. Conseguiu, lutando
contra os partidos. Depois de anos, construiu uma base de sustentação popular,
de indígenas, de mulheres e de jovens a ponto de dar um rumo social ao Estado e
lograr que mais da metade do Senado seja hoje composta por mulheres. Agora os
principais partidos o apoiam e a Bolívia goza do maior crescimento econômico do
Continente.
Lula
abraçou a outra alternativa: optou pelo Parlamento no ilusório pressuposto de
que seria o atalho mais curto para as reformas que pretendia. Assumiu o
Presidencialismo de Coalizão. Líderes dos movimentos sociais foram chamados a
ocupar cargos no governo, enfraquecendo, em parte, a força popular.
Para
Lula, mesmo mantendo ligação com os movimentos de onde veio, não via neles o
sustentáculo de seu poder, mas a coalizão pluriforme de partidos. Se tivesse
observado um pouco a história, teria sabido do risco desta política de
Coalização que atualiza a política de Conciliação do passado.
A
Coalizão se faz à base de interesses, com negociações, troca de favores e
concessão de cargos e de verbas. A maioria dos parlamentares não representa o
povo mas os interesses dos grupos que lhes financiam as campanhas. Todos, com
raras exceções, falam do bem comum, mas é pura hipocrisia. Na prática tratam da
defesa dos bens particulares e corporativos. Crer no atalho foi o sonho de Lula
que não pode se realizar.
Por isso,
em seus oito anos, não conseguiu fazer passar nenhuma reforma, nem a política,
nem a econômica, nem a tributária e muito menos a reforma agrária. Não havia
base.
A “Carta
aos Brasileiros” que na verdade era uma Carta aos Banqueiros, obrigou Lula a
alinhar-se aos ditames da macroeconomia mundial. Ela deixava pouco espaço para
as políticas sociais que foram aproveitadas tirando da miséria 36 milhões de
pessoas. Nessa economia, o mercado dita as normas e tudo tem seu preço. Assim
parte da cúpula do PT, metida nessa Coalizão, perdeu o contato orgânico com as
bases, sempre terapêutico contra a corrupção. Boa parte do PT traiu sua
bandeira principal que era a ética e a transparência.
E o pior,
traiu as esperanças de 500 anos do povo. E nós que tanta confiança
depositávamos no novo, com as milhares comunidades de base, as pastorais
sociais e os grupos emergentes… Elas aprenderam articular fé e política. A
mensagem originária de Jesus de um Reino de justiça a partir dos últimos e da
fraternidade viável, apontava de que lado deveríamos estar: dos oprimidos. A
política seria uma mediação para alcançar tais bens para todos. Por isso, as
centenas de CEBs não entraram no PT; fundaram células dele e grupos, como
instrumento para a realização deste sonho.
O partido
cometeu um equívoco fatal: aceitou, sem mais, a opção de Lula pelo problemático
presidencialismo de coalizão. Deixou de se articular com as bases, de formar
politicamente seus membros e de suscitar novas lideranças.
E aí veio
a corrupção do “mensalão” sobre o qual se aplicou uma justiça duvidosa que a
história um dia tirará ainda a limpo. O “petrolão” pelos números altíssimos da
corrupção, inegável, condenável e vergonhosa, desmoralizou parte do PT e parte
das lideranças, atingindo o coração do partido.
O PT deve
ao povo brasileiro uma autocrítica nunca feita integralmente. Para se
transformar numa fênix que ressurge das cinzas, deverá voltar às bases e junto
com o povo reaprender a lição de uma nova democracia participativa, popular e
justa que poderá resgatar a dívida histórica que os milhões de oprimidos ainda
esperam desde a colônia e da escravidão.
Apesar de
tudo, e quer queiramos ou não, o PT representa, como disse o ex-presidente
uruguaio Mujica, quando esteve entre nós, a alma das grandes maiorias
empobrecidas e marginalizadas do Brasil. Essa alma luta por sua libertação e o
PT redimido continua sendo seu mais imediato instrumento.
Quem cai
sempre pode se levantar. Quem erra sempre pode aprender dos erros. Caso queira
permanecer e cumprir sua missão histórica, o PT faria bem em seguir este
percurso redentor.
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