Autor de 'Palestina', Joe
Sacco questiona limites da sátira em resposta a ataque à 'Charlie Hebdo'
Um dos maiores
nomes da HQ mundial questiona: 'traços no papel são uma arma, e objetivo da
sátira é cortar até o osso. Mas o osso de quem?'
Carolina de Assis - Opera Mundi
O quadrinista norte-americano Joe Sacco, autor de obras consagradas como
"Notas sobre Gaza" (Companhia das Letras, 2010), "War's End:
Profiles from Bosnia 1995-96" (2005) sobre o conflito bósnio e "Days
of Destruction, Days of Revolt" (2012) sobre a pobreza nos Estados Unidos,
respondeu nesta sexta-feira (09/01) ao ataque à revista "Charlie
Hebdo", em que morreram alguns dos mais importantes chargistas da França.
Em quadrinho publicado no jornal britânico The Guardian, o jornalista e ilustrador revela que sua
primeira reação não foi a defesa da liberdade de expressão. "Minha primeira
reação foi tristeza. Pessoas foram mortas brutalmente, entre elas vários
cartunistas - a minha tribo", conta. Após o luto, veio a reflexão sobre a
natureza da sátira feita pela "Charlie Hebdo", que tinha como alvo
principal o fundamentalismo islâmico.Joe Sacco / Reprodução The Guardian
Trecho do quadrinho de Sacco publicado pelo jornal britânico The Guardian
"Embora zombar de pessoas muçulmanas possa ser tão admissível quanto acreditamos hoje ser perigoso, esta sempre me pareceu uma maneira insípida de usar o lápis", revela. Reivindicando o direito de "participar da brincadeira", Sacco expõe seu desconforto com alguns dos cartuns da "Charlie Hebdo" desenhando um homem negro caindo de uma árvore enquanto come uma banana e um homem judeu com o nariz avantajado contando um maço de dinheiro. "Eu tenho o direito de ofender, certo?"
O racismo e o antissemitismo escancarados por Sacco em seu quadrinho se relacionam à islamofobia, ao racismo e ao machismo presentes em muitos dos cartuns da "Charlie Hebdo", uma revista que se dizia de esquerda mas cujas páginas muitas vezes alimentavam o ódio propagado pela extrema-direita europeia e por reacionários em todo o mundo. "Os traços no papel são uma arma, e objetivo da sátira é cortar até o osso. Mas o osso de quem? Qual exatamente é o alvo? E por que?", questiona Sacco.
"Talvez, quando nos cansarmos de mostrar o dedo do meio, podemos tentar entender por que o mundo está como está, e qual é a questão com os muçulmanos atualmente que faz com que eles não sejam capazes de rir de uma mera ilustração." A islamofobia, acredita Sacco, é a resposta mais simples - e a que menos exige reflexão e mudança de atitudes. "Se a resposta for 'é porque há algo muito errado com eles', então vamos expulsá-los de suas casas e lançá-los ao mar - porque isso vai ser bem mais fácil do que compreender como nos encaixamos nos mundos uns dos outros."
Créditos da foto: Joe Sacco
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